domingo, abril 19, 2009

De olhos bem abertos

Às vezes olho para lugares que já vi e os enxergo de maneiras diferentes
Às vezes vejo meus amigos de maneiras diferentes
Às vezes não vejo nada e isso me preocupa
Mas me preocupa ainda mais as vezes que eu não quero ver nada

De braços bem esticados

Os sonhos são ilusões
Que fazem das nossas medíocres vidas
Um pouco mais do que elas realmente são
E nos fazem pensar
Que pensar não passa de uma mentira
Que incutimos em nos mesmos
Como forma de anestesiar
Os sofrimentos de nossa existência
E no meio desse devaneio
Acreditamos ter em mãos
Muita coisa além do que de fato temos
E imploramos por aquilo que não nos pertence
Como mendigos imploram por comida
Prisioneiros por liberdade
Moribundos pela vida
Apaixonados por amores não correspondidos
Mães por filhos que foram
E velhos mal humorados por companhia
Como se nossa existência
Dependesse daquilo que não nos pertence
Daquilo que não é nosso
Mas principalmente
Daqueles que não nos merecem

Brinquedo

Há muito tempo, quando eu ainda era criança. Quando os jogos eletrônicos e os desenhos animados me atraiam, quando a ingenuidade ainda morava em meu coração, quando menos esperava, ganhei um brinquedo. Gostei dele. E criança quando gosta é capaz de brincar durante horas a fio sem conseguir se desligar de seu objeto de entretenimento. Era um brinquedo que me atraia muito. E os motivos eram muito mais ligados a sua aparência do que a qualquer qualidade que despontasse de seu interior. Melhor eu explicar. Quando você olhava pra ele era capaz de saber que externamente era dotado de qualidades extremamente agradáveis. Era novo, tinha um design moderno, era colorido, mas exalava aquele ar de brinquedo de plástico oco. Não era um carrinho de fricção moderno, não era um novo jogo eletrônico cujos gráficos saltassem a vista, nem sequer era aquela bicicleta nova que te levaria ao topo daquele morro e que quando você descesse o vento no rosto e a trepidação fizesse você sentir liberdade, aquela liberdade próxima da dos pássaros que desligados do solo são capazes de avançar em todas as direções sem sofrerem das limitações de um corpo pesado preso ao solo.
A minha história com este brinquedo não foi semelhante a que eu tive com nenhum outro até então em minha vida. Esperava pouco das coisas de criança. Queria entender porque na maioria das vezes eu me encantava por brinquedos que não me retribuíam da forma como eu esperava. Sempre fui muito animado quando via uma coisa nova, e algumas vezes enxergava graça em brinquedos que já tinha acesso a mais tempo. Mas sempre perdia a graça, pois o ânimo que tinha de início era sempre frustrado pelo tipo de interação que os brinquedos me permitiam.
A interação com este foi, do ponto de vista físico, ideal. Formamos, durante algumas horas um par insolúvel que não podia mais ser pensado em separado. A intensidade das brincadeiras foi tamanha que é como se tivéssemos sido feitos juntos. Doce engano de uma inexperiente criança que acreditava ter conhecido seu brinquedo ideal, mas que infelizmente apenas ficou perdido. Mas o mundo é grande, o futuro promissor, outros dramas já haviam acontecido e outros estavam por vir.
Finalmente só restou aquele gosto ruim na boca por ter perdido o tempo com aquele brinquedo de plástico barato que ó serviu pra me entreter durante algumas horas. Mais tarde eu aprenderia, quando jovem, que este é o mesmo efeito que a bebida excessiva nos trás. Depois de uma noite de alegria regrada a ilusões causadas pelo álcool só nos restam o sabor amargo e a dor de cabeça durante até dias a fio.