sexta-feira, junho 22, 2007

continuação do capítulo anterior (até a hora da academia)

Vou retomar algumas questões do capítulo anterior. Afinal são assim as novelas. O Roberto é mais conhecido na loja como o Bola. Mas não porque ele seja gordo, longe disso. Essa é uma maneira de tratar as pessoas. Bola é quase pronome de tratamento. É gente boa demais. Nunca teria conhecido, ou convivido com alguém como ele se não tivesse trabalhado na Loja Karita. Ele trabalhou a vida inteira na roça. Tem as mãos calejadas. É confiável como a maioria dos homens do campo. Tá aí, é alguém que eu colocaria as minhas mãos no fogo. Vale apena queimá-las por ele.

Então voltemos ao meu dia-a-dia.

Cheguei em casa. Mais uma vez vou almoçar comida fria. Vovô sempre quer esquentar, mas eu não tenho dessas frescuras. Como fria mesmo.
_Vinicio, isso é um absurdo. Você não pode deixar essa gente fica te explorando desse jeito não. Mas o , eu tenho que trabalhar. Eu tenho que juntar dinheiro. Eu preciso de dinheiro.
_Não meu minino. Precisa tanto assim não. Fica por aqui mesmo. Arranja outro serviço. Seu pai e sua mãe criaram vocês com salário mínimo a maior parte da vida. Você pode fazer o mesmo.
_Mas eu sinto a necessidade de estudar.

Como de praxe a conversa decorreu com eu comendo, vendo os desenhos que passam na tv pela manhã (eu os gravava todo santo dia e via na hora do almoço).

Como o tempo voa. tá na hora de ir. Voltar ao batente. De volta a loja. Eu e minha bicicleta. Mais uma vez às pressas. Em sima da hora. E todo dia a mesma ladainha. Eu ia direto para o depósito e lá eles me mandavam para a loja. Sempre tinha alguma coisa pra fazer. Mas nesse dia tava tudo pronto. Meu irmão tinha acabado de sair pra fazer o serviço do banco. Acho que ainda não falei nisso. Meu irmãozinho trabalhava comigo na loja. Era só na parte da tarde, mas ele era meio que um aprendiz do que eu fazia. Sabe, um dia eu ia passar no vestibular, aí tinha que ter alguém pra ficar no meu lugar, meu sucessor. Alguém forte o bastante pra carregar caixas pesadas o dia inteiro e fazer contas e aturar clientes aborrecidos grande parte do dia. Enfim, ia ser mais um faz tudo ganhando o pouco que eu ganhava e fazendo muita coisa.

Agora eu vou descrever o pessoal da loja na época em que eu trabalhava. Hoje o quadro de funcionários tá um pouco diferente, eu vou lá de vez em quando. Mas vou tentar retratar o pessoal, meus amigos, grandes amigos que deixei pra traz.

Não se assustem, se até agora pareceu estranho, pra quem não me conhecia antes, vai ficar ainda mais estranho. Não parece eu esse cara que trabalhava no comércio. Lógico que tinha frustrações. E a principal era ter tentado vestibular várias vezes e não ter passado. Me sentia um derrotado. Terminei o segundo grau no ano de 2002. Isso mesmo, esse rostinho de menino esconde um velho de 23 anos de idade completos no dia 12 deste mês. Fiz vestibular no final de 2002 para Ciência da computação na UFV (não passei), fiz cursinho durante 6 meses e fiz vestibular pra biologia em Ouro Preto no meio do ano (também não passei). Fiz cursinho mais 6 meses e prestei vestibular pra biologia na UFV e na UFES (não passei denovo). Era o momento de parar para pensar na vida. Será que essa era realmente a escolha certa que eu estava fazendo? Fiz vestibular no final do segundo grau para uma faculdade particular que acabara de abrir na minha cidade. Passei, raspei até a cabeça. Isso me balançou. Será que devia ter ficado lá? Não me matriculei. Teria sido melhor? Teria sido menos extressante. Mas teria aprendido menos. Teria menores perspectivas. Seria como ter as pernas compridas mas poder dar passos curtos apenas, como se meus cadarços estivessem amarados uns nos outros. O dia que eu estou a descrever é posterior a minha terceira reprovação no vestibular. Um período muito atípico em minha vida. Eu não estudava mais. Nunca estive tão próximo de parar de estudar para sempre. Teoricamente eu desisti durante esses 6 meses. Fui para a academia. Tinha uma vida boa. Tranquila e calma. Muito diferente deste turbilhão de emoções que é hoje.

Mas isso é tudo baboseira. Vamos (agora sim) à discrição dos meus colegas de serviço. Não!!! Amigos, grandes amigos de serviço.

Vou fazer uma descrição hierárquica. Dos patrões aos empregados mais mau pagos. Vou ser marxista sem ser como fim pedagógico.

O Vanir, como eu já disse, é um típico burguês do século vinte. Ajuda as pessoas, é gente boa demais. Um dia ele estava vindo de Manhuaçu e viu uma pessoa no chão. O dia estava frio. Ele tinha na Kombi um cobertor. Era o cobertor mais caro que se vendia na loja, mas sua conciência não fez com que ele pensasse isso na hora. Ele pegou o cobertor de dentro da caixa e cobriu essa pessoa. Fazia muito frio e na visão dele Deus o recompensaria. Ele é espírita.

A Nita (ou Erenita) é a esposa do Vanir. Muito severa mas muito pouco simplória. Na verdade brincalhona até. Se você é amigo da Nita (ainda bem que eu era e ainda sou) ela te adora com todas as força, se não é aí você tá fu... Enfim, a Nita é do Mato grosso do sul, mas morou grande parte da vida em Uberlândia. Foi lá que o Vanir a conheceu quando era caminhoneiro e trouxe ela pra cá. Em manhumirim eles abriram uma lojinha que a princípio vendia de tudo, mas que depois cresceu e hoje é uma das maiores lojas da cidade. Uma das que mais vende.

A Margarida não trabalha mais hoje na loja. Mas trabalhava na minha época. Mulher de punho forte. Trabalhava pra sustentar os seus filhos aqui em Viçosa. A filha já conseguiu o mestrado e o filho tem ido muito bem no curso de agronomia.

Ivone é a funcionária mais antiga da loja. Anos e anos de dedicação aos meus patrões. Gosto muito dela. Ela que intercedeu por mim na hora de arranjar o emprego lá, ainda quando eu era guarda-mirim.

A Rosa (Rosemary) é irmã da Ivone. Gente boa igual a irmã. Tem três filhos que são por extensão filhos da Ivone também. Mãezona.

Rosália é a esposa do Reginaldo. Defino ela desse jeito porque é assim que ela não foi mas quis ser durante muito tempo. Hoje os dois se casaram e já encomendaram o primeiro filho.

Tem também a Gilglioly. A Gil é uma menina sapeca que é mamãe da Caroline. Parece uma criança, mas é mãe. Uma boa mãe.

O Nilson é meu primo. Hoje ela tá casado. É um homem "sério" (?). Mas sempre foi animado. É da festa, ou foi. Grande peladeiro e pagodeiro. Aí não tem necessidade de estender a descrição. Peladeiro e pagodeiro.

Sidney trabalhava na loja nesta época. Era o guardinha que ficava vigiando as bancas de roupa que ficam ao lado de fora da loja. Foi assim que eu comecei lá. Às vezes até hoje ele acompanha eu e minha turma nas festas da vida lá na minha cidade.

Hector é outro guardinha. É filho da Rosa.

Devem ter percebido o quanto tem de familiares na mesma loja. Faltou ainda falar das filhas do meu patrão. Mas aí ia ficar muito extenso.

Não!!! Vou falar. Elas merecem.

Franciele casou tem pouco tempo. Mas não estava casada nesta época. Ela é uma mistura exata da sua mãe com seu pai. Imagina uma patroa que é forte no braço. Exigente e que tem um enorme coração. Arranjou alguém pra se casar muito gente boa também. O Ibrahim. Professor de Educação Física.

A Lara, pra quem conhece despensa descrições. Sabe aquela loira padrão. Aquela que pára o trânsito? Alta, bonita... UHH... perdi até o fôlego só de lembrar dela. Lourão mesmo. Um dia a minha patroa ficou brincando dizendo que era pra que eu formasse e depois eu casar com a filha dela, era só brincadeira, mas minhas pernas ficaram bambas. Aquilo não existe não. É o que hoje fazendo História eu chamaria de meta-físico. Mas ela já morava em Uberlândia na época. Então só aparecia de vez em quando.

Credo e cruz!!! Essa é disparada a maior postagem que eu já escrevi no meu blog. Mas vale apena. Inclusive se você tiver chegado até aqui é porque tá interessante. Mas também pode significar que é meu amigo. Grandes amigos lêem grandes postagens.

Ok. Vou continuar meu dia agora. Lógico que vou ter que deixar de mencionar alguns fatos mais picantes, afinal são na maioria, mulheres casadas. Mas mesmo assim eu sou um pedaço de mau caminho. Com caminha da felicidade e tudo. Sabem o que é caminho da felicidade? Pergunta para o meu irmão. Ele sabe.

Então. Tinha que codificar as coisas na loja. Outra função minha. Botar o preço nas mercadorias. Controlar a sua entrada e saída. Parece que eu carregava a loja nas costas. Não era bem assim. Eu já era responsável. Agora com as reviravoltas da via é que eu to esquentando a cabeça menos com coisas que acho mais importantes. Infelizmente até agora não obtive êxito. Mas como meus amigos dizem: o que é meu tá guardado. Sei lá onde. Talvez num buraco bem fundo.

Então era pegar o preço da mercadoria, buscar o código que correspondesse a ele e colocar as plaquinhas, uma a uma em milhares de peças.

E assim o dia passava. E a hora de ir embora nunca que chegava. Até que a gente, sem o Vanir mandar mesmo começava a fechar a loja. Ele sempre ficava irritado. Sempre não. Às vezes. Mas a vontade de ir embora, devido ao cansasso dia-a-dia compensava o sabão. Era aquela correria. Tira a roupa daqui, de lá. Despindurava velotrol e jaqueta e vai, e vai. Até que o circo da frente da loja estava desarmado. Aí abaixávamos as portas e esperávamos aqueles últimos clientes saírem. Nos despedíamos e íamos cada um para o seu lado.

Eu ia para a academia fazer musculação. Não ia para o cursinho. Ia refrescar a cabeça das tensões levantando peso. Mas daqui em diante merece outra parte.

(Tenham paciência, continua...)

quarta-feira, junho 20, 2007

Coisas Boas terceira parte ou o que deixei para tráz (até a hora do almoço)

Seria interessante pensar no que ficou para trás. De que eu abri mão para ter o que tenho hoje? Como forma de mostrar isso descreverei um fia meu, uma terça feira, aproximadamente 7 meses antes de vir pra Viçosa.

Era uma época atípica em vários sentidos. Não fazia mais cursinho, havia feito por um ano e não tinha obtido êxito algum. Fiquei seis meses da minha vida sem estudar, nunca fiquei tanto tempo assim. Estava na academia, 37.5 de braço. Estava forte. Trabalhava como faz tudo na Loja Karita. E faz tudo tem muita coisa pra fazer, afinal, faz de tudo mesmo. Nunca fica atoa.

Eram sete horas da manhã. Minha mãe e meu pai já haviam saído para trabalhar. Meu irmão para a escola, só sobrara eu, a Ana Paula e minha vovô em casa. Todo dia eu acordava nessa hora. E continuo acordando. como era difícil. afinal o dia anterior tinha sido uma sucessão de escadas com peso nas costas. E o fim era pegar pesado na academia. Vamos ao café da manhã: um maravilhoso pão com margarina, um não, um não me mataria a fome, dois pães com margarina e um copo de café com leite. E a vovô lá. Todo dia esquentava meu leite, morno do jeito que eu gosto.

Mas o tempo passa correndo. Não posso nunca terminar de ver o bom dia Brasil. Já vou chegar atrasado. Ou encima da hora. Não sei. Tenho que correr. O relógio não espera ninguém. E minha bicicleta não tem asas. nem espero que um dia tem, odeio altura.

Ruas e morros, e ruas e buracos e o que vejo logo à frente? Meu chefe, O Vanir. um burguês padrão. Faz boas ações. Ajuda os pobres e me paga muito mau. Mas eu gosto dele. Está pendurando as roupas na entrada da loja para ficarem à exposição das pessoas que passam na rua. e eu tenho que ajudá-lo. Bom mais como sempre, já tem serviço pra mim.
_Paulinho! tem gente pra atender lá no atacado.
E eu peguei minha bicicleta e fui pra lá. Era sempre assim. Chegava alguém pra atender e lá ia eu para o batente.

Esse caminho eu conhecia muito bem. O caminho da loja para o atacado, que era uma espécie de depósito onde eram vendidas roupas para lojistas de pequeno porte e que eu era o atendente. A minha carteira de trabalho dizia "balconista". Mas eu gostava mesmo era de vender no atacado. Não só porque muito dinheiro passava pelas minhas mãos, mas porque era onde eu podia exercitar o que gostava mais de fazer, falar mentiras e enganar as pessoas. Afinal, isso é coisa de quem vende. Vender é a arte de convencer. Não importa se a mercadoria tinha pouca saída, não importa senão prestava. O cliente tem sempre razão, e esta razão é vantajosa na medida que eu era capaz de manipulá-la.

_Esse aí parece que tem pouco dinheiro. Mas acho que dá pra arrancar uns quatrocentos reais. Então mãos a obra.
_Senhor! Como é o seu nome?
_Eu vim aqui só pra olhar. Qual é o mínimo de compras aqui?
_Trezentos reais.
_Só?
_É.
_Então vou levar alguma coisinha hoje.
_Mas eu acho que já falaram com o senhor que só aceitamos pagamento em dinheiro.
_Não me haviam dito.
_Então eu estou dizendo. Só dinheiro.
_Isso não é problema.

Meus olhinhos brilhavam nesses momentos. (hehehehehehe)

_Bom saber.
_O que você disse?
_Pode ficar a vontade.

E ele olhava, e eu falava, e ele escutava e eu cada vez mais conseguia tirar mais mercadoria das prateleiras. E o tempo passa. Aí apareceu a Nita. Erenita, minha patroa.

_Paulinho!!! Quem tá aí?
_Eu e freguês Nita.
_Tá quase na hora do meu almoço.
_O Roberto deve estar quase chegando do almoço dele.
_Ele chega e você vai almoçar.

Mas Roberto sempre chegava atrasado e ia fazer outra coisa. Eu sempre ia almoçar tarde. Teve dia de eu ir almoçar às 14 horas. Quase morria de fome. Sentia a mais valia na pele. E eu nem sabia o que era a mais valia. Sabia sim. Já tinha feito cursinho.

_Paulim! Cheguei. Pode ir embora que eu termino de atender. Nossa!!! Esse monte de coisa. Eu num consigo fazer essas contas não. Vou chamar o Vanir pra fazer isso.
_Deixa de ser preguiçoso. Eu faço porque você não faz?
_Mas você é inteligente e eu não.
_Tá bom. Então chama então. Eu vou almoçar.

Peguei a minha bicicleta e fui embora pra casa comer comida fria. Tenho preguiça de esquentar comida. Tenho preguiça de fazer um monte de coisa mesmo.

(continua...)