Vou retomar algumas questões do capítulo anterior. Afinal são assim as novelas. O Roberto é mais conhecido na loja como o Bola. Mas não porque ele seja gordo, longe disso. Essa é uma maneira de tratar as pessoas. Bola é quase pronome de tratamento. É gente boa demais. Nunca teria conhecido, ou convivido com alguém como ele se não
tivesse trabalhado na Loja
Karita. Ele trabalhou a vida inteira na roça. Tem as mãos calejadas. É confiável como a maioria dos homens do campo. Tá aí, é
alguém que eu colocaria as minhas mãos no fogo. Vale
apena queimá-las por ele.
Então voltemos ao meu dia-a-dia.
Cheguei em casa. Mais uma vez vou
almoçar comida fria. Vovô sempre quer esquentar, mas eu não tenho dessas
frescuras. Como fria mesmo.
_
Vinicio, isso é um absurdo. Você não pode deixar essa gente fica te explorando desse jeito não. Mas o
vó, eu tenho que trabalhar. Eu tenho que juntar dinheiro. Eu preciso de dinheiro.
_Não meu
minino. Precisa tanto assim não. Fica por aqui mesmo. Arranja outro serviço. Seu pai e sua mãe criaram vocês com salário mínimo a maior parte da vida. Você pode fazer o mesmo.
_Mas eu sinto a necessidade de estudar.
Como de praxe a conversa decorreu com eu comendo, vendo os desenhos que passam na
tv pela manhã (eu os gravava todo santo dia e via na hora do almoço).
Como o tempo voa.
Já tá na hora de ir. Voltar ao batente. De volta a loja. Eu e minha bicicleta. Mais uma vez às pressas. Em
sima da hora. E todo dia a mesma ladainha. Eu ia
direto para o depósito e lá eles me mandavam para a loja. Sempre tinha alguma coisa pra fazer. Mas nesse dia
tava tudo pronto.
Meu irmão tinha acabado de sair pra fazer o serviço do banco. Acho que ainda não falei nisso. Meu
irmãozinho trabalhava comigo na loja. Era só na parte da tarde, mas ele era meio que um aprendiz do que eu fazia. Sabe, um dia eu ia passar no vestibular, aí tinha que ter alguém pra ficar no meu lugar, meu sucessor. Alguém forte o bastante pra carregar caixas pesadas o dia inteiro e fazer contas e aturar clientes aborrecidos grande parte do dia. Enfim, ia ser
mais um faz tudo ganhando o pouco que eu ganhava e fazendo muita coisa.
Agora eu vou descrever o pessoal da loja na época em que eu trabalhava. Hoje o quadro de funcionários tá um pouco diferente, eu vou lá de vez em quando. Mas vou tentar retratar o
pessoal, meus amigos, grandes amigos que deixei pra
traz.
Não se assustem, se até agora pareceu estranho, pra quem não me conhecia antes, vai ficar ainda mais
estranho. Não parece eu esse cara que trabalhava no comércio. Lógico que tinha frustrações. E a
principal era ter tentado vestibular várias vezes e não ter passado. Me sentia um derrotado. Terminei o segundo grau no ano de 2002. Isso mesmo, esse
rostinho de menino esconde um velho de 23 anos de idade completos no dia 12 deste mês.
Fiz vestibular no final de 2002 para Ciência da computação na
UFV (não passei), fiz
cursinho durante 6 meses e fiz vestibular pra biologia em Ouro Preto no meio do ano (também não passei).
Fiz cursinho mais 6 meses e prestei vestibular pra biologia na
UFV e na
UFES (não passei
denovo). Era o momento de parar para pensar na vida. Será que essa era realmente a escolha certa que eu estava fazendo?
Fiz vestibular no final do segundo grau para uma faculdade particular que acabara de abrir na minha cidade. Passei, raspei até a cabeça. Isso me balançou. Será que devia ter ficado lá? Não me matriculei. Teria sido melhor? Teria sido menos
extressante. Mas teria aprendido menos. Teria menores perspectivas. Seria como ter as pernas compridas mas poder dar passos curtos apenas, como se meus
cadarços estivessem amarados uns nos outros. O dia que eu estou a
descrever é posterior a minha terceira reprovação no vestibular. Um período muito atípico em minha vida. Eu não estudava mais. Nunca estive tão próximo de parar de estudar para sempre. Teoricamente eu desisti durante esses 6 meses. Fui para a academia. Tinha uma vida boa. Tranquila e calma. Muito diferente deste turbilhão de emoções que é hoje.
Mas isso é tudo baboseira. Vamos (agora sim) à discrição dos meus colegas de serviço. Não!!! Amigos, grandes amigos de serviço.
Vou fazer uma descrição hierárquica. Dos patrões aos empregados mais mau pagos. Vou ser marxista sem ser como fim pedagógico.
O
Vanir, como eu já disse, é um típico
burguês do século vinte. Ajuda as pessoas, é gente boa demais. Um dia ele estava vindo de
Manhuaçu e viu uma pessoa no chão. O dia estava frio. Ele tinha na
Kombi um cobertor. Era o cobertor mais caro que se vendia na loja, mas sua
conciência não fez com que ele pensasse isso na hora. Ele pegou o cobertor de dentro da caixa e cobriu essa pessoa.
Fazia muito frio e na visão dele Deus o recompensaria. Ele é espírita.
A
Nita (ou
Erenita) é a esposa do
Vanir. Muito severa mas muito pouco
simplória. Na verdade brincalhona até. Se você é amigo da
Nita (ainda bem que eu era e ainda sou) ela te adora com todas as força, se não é aí você tá
fu... Enfim, a
Nita é do Mato grosso do sul, mas morou grande parte da vida em
Uberlândia. Foi lá que o
Vanir a conheceu quando era
caminhoneiro e trouxe ela pra cá. Em
manhumirim eles abriram uma
lojinha que a princípio vendia de tudo, mas que depois cresceu e hoje é uma das maiores lojas da cidade. Uma das que
mais vende.
A Margarida não trabalha mais hoje na loja. Mas trabalhava na minha época. Mulher de punho forte. Trabalhava pra sustentar os seus filhos aqui em Viçosa. A filha já conseguiu o mestrado e o filho tem ido muito bem no curso de agronomia.
Ivone é a funcionária mais antiga da loja. Anos e anos de dedicação aos meus patrões. Gosto muito dela. Ela que intercedeu por mim na hora de arranjar o emprego lá, ainda quando eu era guarda-
mirim.
A Rosa (
Rosemary) é irmã da Ivone. Gente boa igual a irmã. Tem três filhos que são por
extensão filhos da
Ivone também.
Mãezona.
Rosália é a esposa do
Reginaldo. Defino ela desse jeito porque é assim que ela não foi mas
quis ser durante muito tempo. Hoje os dois se casaram e já encomendaram o primeiro filho.
Tem também a
Gilglioly. A Gil é uma menina
sapeca que é mamãe da
Caroline. Parece uma criança, mas é mãe. Uma boa mãe.
O
Nilson é meu primo. Hoje ela tá casado. É um homem "sério" (?). Mas sempre foi animado. É da festa, ou foi. Grande
peladeiro e pagodeiro. Aí não tem
necessidade de estender a descrição.
Peladeiro e pagodeiro.
Sidney trabalhava na loja nesta época. Era o
guardinha que ficava vigiando as bancas de roupa que ficam ao lado de fora da loja. Foi assim que eu comecei lá. Às vezes até hoje ele acompanha eu e minha turma nas festas da vida lá na minha cidade.
Hector é outro
guardinha. É filho da Rosa.
Devem ter percebido o quanto tem de
familiares na mesma loja.
Faltou ainda falar das filhas do meu patrão. Mas aí ia ficar muito extenso.
Não!!! Vou falar. Elas merecem.
Franciele casou tem pouco tempo. Mas não estava casada nesta época. Ela é uma mistura
exata da sua mãe com seu pai. Imagina uma patroa que é forte no braço. Exigente e que tem um enorme coração. Arranjou alguém pra se casar muito gente boa também. O
Ibrahim. Professor de Educação Física.
A
Lara, pra quem conhece despensa descrições. Sabe aquela loira padrão. Aquela que pára o trânsito? Alta, bonita...
UHH... perdi até o
fôlego só de lembrar dela.
Lourão mesmo. Um dia a minha patroa ficou brincando dizendo que era pra que eu formasse e depois eu casar com a filha dela, era só brincadeira, mas minhas pernas ficaram
bambas. Aquilo não existe não. É o que hoje fazendo História eu chamaria de meta-físico. Mas ela já morava em
Uberlândia na época. Então só aparecia de vez em quando.
Credo e cruz!!! Essa é disparada a maior
postagem que eu já escrevi no meu blog. Mas vale
apena. Inclusive se você tiver chegado até aqui é porque tá interessante. Mas também pode significar que é meu amigo. Grandes amigos
lêem grandes
postagens.
Ok.
Vou continuar meu dia agora. Lógico que vou ter que deixar de mencionar alguns fatos mais picantes, afinal são na maioria, mulheres casadas. Mas mesmo assim eu sou um pedaço de mau caminho. Com caminha da felicidade e tudo. Sabem o que é caminho da felicidade? Pergunta para o meu irmão. Ele sabe.
Então. Tinha que codificar as coisas na loja. Outra função minha. Botar o preço nas mercadorias.
Controlar a sua entrada e saída. Parece que eu carregava a loja nas costas. Não era bem assim. Eu já era responsável. Agora com as reviravoltas da via é que eu to esquentando a cabeça menos com
coisas que acho mais importantes. Infelizmente até agora não obtive
êxito. Mas como meus amigos dizem: o que é meu tá guardado. Sei lá onde. Talvez num buraco bem fundo.
Então era pegar o preço da mercadoria, buscar o código que correspondesse a ele e colocar as
plaquinhas, uma a uma em milhares de peças.
E assim o dia passava. E a hora de ir embora nunca que chegava. Até que a gente, sem o
Vanir mandar mesmo começava a fechar a loja. Ele sempre ficava irritado. Sempre não. Às vezes. Mas a vontade de ir embora, devido ao
cansasso dia-a-dia compensava o sabão. Era aquela correria. Tira a roupa daqui, de lá.
Despindurava velotrol e jaqueta e vai, e vai. Até que o circo da frente da loja estava desarmado. Aí abaixávamos as portas e esperávamos aqueles últimos clientes
saírem. Nos despedíamos e
íamos cada um para o seu lado.
Eu ia para a academia fazer musculação. Não ia para o
cursinho. Ia refrescar a cabeça das
tensões levantando peso. Mas daqui em diante merece outra parte.
(Tenham paciência, continua...)